DOENÇA DAS ORQUÍDEAS - PARTE II
Além
das doenças fúngicas e bacterianas, vista num capítulo
anterior, as orquídeas, a exemplo de outras espécies vegetais
e animais, são também atacadas por vírus, minúsculos
seres (alguns nanômetros) que invadem as células, danificando
seus processos metabólicos e de multiplicação, o
que acaba por causar a morte das mesmas. Os vírus vivem exclusivamente
às custas dos processos metabólicos ou celulares de outros
organismos, não sendo ativos fora da célula (embora possam
permanecer por longo tempo, inativos, porém infecciosos, em detritos
vegetais ou mesmo na água). TIPOS
MAIS IMPORTANTES DE VÍRUS DE ORQUÍDEAS Dos vírus de importância comercial, existentes no Brasil, dois se destacam: CyMV - Cymbidium Mosaic Virus Muito
embora seus efeitos sejam, a princípio, pouco aparentes, o CyMV
é o vírus mais perigoso para a coleção. Explica-se:
como apresenta sintomas menos "graves" do que o ORSV, muitas
vezes as plantas são dadas como saudáveis, o que propicia
a extensão da contaminação por toda a coleção.
Quando se percebe, a coleção toda já está
perdida. Por esse mesmo motivo, é o vírus mais comum nas
coleções. Ataca inúmeros gêneros, desde Cymbidium,
até Cattleya e Phalaenopsis. ORSV - Odontoglossum Ringspot Virus (syn. TMV-O) Identificado
primeiramente em Odontoglossum grande, causando lesões circulares
nas folhas, daí o nome. Este vírus, embora altamente destrutivo,
tem seu controle facilitado pelos seus sintomas, bastante característicos
e facilmente visíveis. Nas folhas, são manchas irregulares
de colorido vermelho a roxo (cuidado para não confundir com escurecimento
arroxeado causado por luminosidade alta, ou pintas roxas em plantas semi-albas
e algumas lilases e amarelas). Estas manchas ou pintas geralmente possuem
regiões necrosadas (mortas). Os brotos podem ficar aleijados (tortos,
fortemente pigmentados, e sem vigor). Nas flores, surgem manchas descoloradas,
com aspecto de "aquarela desbotada". Não confundir com
falhas de colorido de origem genética (variegata). Ocasionalmente,
grandes variações de temperatura podem provocar sintomas
de "color-break" idênticos aos provocados por vírus.
Caso tenha ocorrido esse fator climático, aguardar mais um ano,
para verificar se o sintoma se repete, para então ter certeza do
diagnóstico. DIAGNÓSTICO Para
facilitar o diagnóstico visual, talvez ajude se mencionarmos que
a atuação dos vírus, de modo geral, nas plantas,
se dá por morte de células com carga viral elevada. Dessa
forma, as estruturas que entram em contato mais prolongado com o vírus
são as primeiras a serem lesionadas. Os vasos que conduzem a seiva,
não conseguem mais fazê-lo adequadamente, e morrem. Nas plantas,
esses efeitos se mostram como riscos necróticos (mortos) e cloróticos
(amarelados) nas nervuras, falhas de pigmentação nas flores
(por "desnutrição" dos tecidos florais durante
a formação da flor), e aleijamento de brotos (por interrupção
da circulação de nutrientes). Bio-ensaio Nesse teste, a seiva oriunda da planta suspeita é inoculada nas folhas de determinadas espécies de plantas (principalmente Cassia occidentalis, Datura sp, Chenopodium sp. e Tetragona expansa, para CyMV, e Gomphrena globosa, para ORSV). Estas plantas não são infectadas sistemicamente (na planta toda) quando contaminadas com ORSV e/ou CyMV, mas apresentam lesões locais facilmente identificáveis. Alguns dias após a inoculação, as folhas apresentam numerosos pontos necróticos, com características específicas para cada tipo de vírus. Existem kits de teste à venda, nos E.U.A. ELISA É um ensaio imunológico (ELISA = Enzyme-linked immunosorbent assay). Nesse teste, há uma reação serológica (de soro sanguíneo animal) à presença de vírus específicos. O diagnóstico é dado pela mudança de cor da solução contendo o soro. Este ensaio é bastante preciso e rápido, podendo ser aplicado em muitas amostras ao mesmo tempo. Há também kits à venda, no exterior. Microscopia Eletrônica É o método mais direto de diagnóstico, onde a seiva suspeita é tratada com corante especial, e visualizada num microscópio eletrônico (+ de 50.000 x). As partículas de vírus são facilmente identificáveis, de acordo com uma tabela descritiva. Este método é o mais preciso, detectando vírus em concentrações tão baixas a ponto de não serem detectadas por Bio-ensaio ou ELISA. Entretanto, é muito caro, pela complexidade do equipamento. FORMAS DE TRANSMISSÃO Por
definição, o veículo de disseminação
de vírus nas orquídeas é a seiva. Ou seja, qualquer
ação que ponha em contato a seiva de uma planta contaminada
com a de uma planta saudável, é uma forma de transmissão
de vírus. Por esse raciocínio, chega-se ao principal vetor
de disseminação: ferramentas de corte. Facas. tesouras,
unhas, estacas, enfim, qualquer objeto que possa provocar uma ferida na
planta, são disseminadores de virose por excelência. As próprias
folhas, ao bater umas nas outras, principalmente durante o transporte
das plantas, podem espalhar a doença. TRATAMENTO As
perguntas que surgem com maior freqüência no meio orquidófilo,
com relação a vírus, são: "O que devo
fazer para curar minha planta? Se não houver cura, o que faço
com ela?" As respostas, infelizmente, não são agradáveis.
Não há tratamento conhecido para eliminar a infecção
por vírus de uma orquídea. Há trabalhos em andamento
neste sentido, principalmente nos E.U.A., utilizando produtos como Interferon,
ainda sem resultados concretos e economicamente viáveis. Há
muitas pessoas que afirmam que conseguiram "limpar" uma planta,
seja com produtos químicos, seja expondo a sol pleno e outras teorias
mais ou menos fundamentadas em pesquisa científica. Não
há nenhuma "teoria" provada. Dessa forma, plantas com
vírus devem ser descartadas - se possível incineradas. Substrato,
cacos de drenagem e vaso destas plantas não devem ser reaproveitados.
Plantas contaminadas não devem ser doados (a não ser para
pesquisa), vendidos ou passados para outras pessoas de forma alguma. Eliminação de Vírus por semeadura Já foi exaustivamente comprovado que as viroses mais destrutivas nas orquídeas, não são transmitidas pelas sementes (provavelmente devido à ausência de estruturas de reserva na semente). Portanto, pode-se utilizar uma planta doente como matriz, no intuito de obter-se descendência sadia. Este recurso é freqüente entre colecionadores e profissionais que utilizam plantas como matrizes para melhoramento e hibridação, mantendo (em isolamento) determinadas plantas, mesmo sabidamente contaminadas. Essas plantas são usadas como matrizes femininas (portadoras da cápsula de sementes). Grifamos a palavra femininas, pois não se deve utilizar pólen de plantas contaminadas, que pode transmitir a doença para as saudáveis. As cápsulas devem ser colhidas maduras (já fendidas), e as sementes retiradas sem utilizar objetos pontiagudos (apenas abrir a cápsula e dar algumas leves pancadas, para que as sementes caiam numa folha de papel). Nunca utilizar o sistema de semeio de sementes verdes, oriundos de plantas infectadas, pois a ação da ferramenta, ao raspar as sementes para colocação no meio de cultura, irá ferir o tecido interno da cápsula, contaminando as sementes. Eliminação de Vírus por Clonagem Quando o Dr. Georges Morel inventou o processo de clonagem, na década de 60, seu objetivo era produzir clones de batata isentos de vírus, a partir de cultivares muito produtivos, porém infectados. Posteriormente, em 1964, estendeu a pesquisa às orquídeas (Cymbidium), já no intuito de produzir grandes quantidades de plantas idênticas, para o mercado de flores. A lógica da eliminação de vírus por clonagem era simples: já que os vírus das plantas iam infectando as células à medida que a planta crescia, deveria haver um ponto central de crescimento, onde o vírus ainda não houvesse chegado a infectar as células. Esse ponto é o meristema apical, que é o ponto de crescimento da planta, onde a divisão celular ocorre com muita rapidez. Se esse ponto pudesse ser isolado e cultivado em laboratório, poderiam ser obtidas plantas livres do vírus. No caso da batata, assim como em outras culturas, o processo foi bem-sucedido, gerando lotes de plantas idênticas, e saudáveis. Já nas orquídeas, houve um problema. Como as orquídeas crescem de forma muito mais lenta do que outras culturas, o tamanho do grupo de células saudáveis é extremamente pequeno (menos de 0,5mm). Este fato torna extremamente difícil obter protocórmios viáveis, se atendido o objetivo de obter plantas saudáveis. Embora seja tecnicamente possível (e tenha sido feito com Cymbidium), comercialmente não é viável. O que significa que nenhum laboratório de clonagem produz lotes de meristemas, livres de vírus, a partir de plantas contaminadas. Em resumo, se a matriz estiver infectada, os mericlones, de modo geral, também serão. Nesse ponto, é preciso chamar a atenção para os seguintes fatos: a) No Brasil, a introdução dos 2 vírus mais importantes, ocorreu na década de 60; b) Essa introdução se deu, com certeza, através da importação de mericlones infectados e c) a expansão destas doenças no Brasil se deu pela proliferação da multiplicação via meristema de plantas comercialmente desejáveis, sem os controles necessários. PREVENÇÃO Já que não há tratamento, a única forma de evitar a disseminação de vírus nas coleções, é adotar procedimentos para 1) Identificar plantas doentes; 2) Evitar introduzir plantas doentes no orquidário; 3) Eliminar plantas infectadas; 4) Prevenir novas contaminações. De forma prática, seguem algumas "regras básicas": 1 - Não adquirir plantas "de risco" (coleções antigas, orquidários comerciais sem normas rígidas de controle etc) 2 - Aceitar presentes de "cortes especiais" com reservas. Manter tais plantas isoladas por 1 ano, ou até que tenha feito teste em laboratório. 3 - Eliminar prontamente quaisquer plantas comprovadamente doentes com vírus; 4 - Isolar plantas suspeitas 5 - Desinfetar bancadas, removendo detritos (raízes mortas etc), antes de renovar com plantas novas; 6 - Não reutilizar xaxim, cacos ou vasos (vasos podem ser reutilizados, se mergulhados numa solução de cloro a 20% por 2 horas, depois secas ao sol) 7 - Manter limpo o local de plantio, não misturando xaxim velho com novo etc; 8 - Não replantar grande número de plantas num só dia, principalmente se forem plantas adultas e antigas; 9 - Controlar pragas 10 - Manter distância entre os vasos (1/2 diâmetro do vaso); 11 - Embalar adequadamente plantas de exposição, para minimizar atrito e feridas; 12 - Não manusear em demasia as plantas. Cuidado ao retirar partes secas ou mortas, para não ferir as plantas; 13 - Não pendurar plantas umas sobre as outras; 14 - Não reutilizar água ou solução de fertilizante; 15 - Esterilizar ferramentas adequadamente; 16 - Não fumar no orquidário. 17 - Nunca andar pelo orquidário, com canivete na mão, cortando flores e folhas, tirando mudas, etc., utilizando a mesma ferramenta. A desinfecção de ferramentas de corte é o ponto mais importante da lista, pois as ferramentas disseminam o virus com grande eficiência. Há vários métodos para esterilização, que podem ser adotados de acordo com cada tipo de material da ferramenta: 1 - Fogo. Esse é o mais eficiente, seguro e barato. Tanto o CyMV como o ORSV são permanentemente destruídos por exposição a temperaturas acima de 150º C. por alguns segundos. Para atingir essa temperatura, basta levar a lâmina ao fogo, em toda sua extensão, por cerca de 15-20 segundos. Por dar melhor cobertura, dar preferência ao fogo de gás, como o de fogão, fogareiro ou bico de bunsen. Esse método tem o inconveniente de destruir a têmpera da ferramenta, inutilizando-a após certo número de "queimas". Assim, não é apropriado para tesouras de poda e outras ferramentas de alto custo. Sugerimos utilizar facas pequenas, de aço inox (tipo "verdura") e cabo de madeira, que tem custo muito baixo (cerca de R$ 1), e resistência moderada ao fogo. Após queimar a lâmina, passar a faca em água fria. Cuidado para não misturar facas "usadas" com as já esterilizadas, na banca de plantio. Uma boa opção é construir uma caixa de madeira, com dois compartimentos, para receber as facas. No lado "limpo", pintar com tinta verde, e, do outro (facas usadas), pintar de vermelho. Assim, vai-se passando as facas do verde para o vermelho à medida que vão sendo usadas, evitando confusão. 2 - Cáusticos. Outro sistema bastante eficiente, desde que aplicado corretamente. Os produtos recomendados são as soluções de cloro (que atuam por oxidação) e o fosfato trissódico (que atua por elevação do pH). Deve-se optar por esterilização por produto químico, quando a material da ferramenta não permitir o uso do fogo (por ser de plástico ou alumínio). Para utilizar solução de cloro, recomendamos o seguinte: diluir 300 ml de solução concentrada de hipoclorito de sódio (cloro líquido de piscina), em 700 ml de água pura. Manter essa solução tampada sempre que não estiver sendo usada (pois o cloro evapora). Passar água limpa na ferramenta antes de mergulhar no cloro (para remover resíduos vegetais), deixar a ferramenta no cloro por 3-4 minutos, e passar novamente água limpa corrente (não a mesma da etapa anterior...) para tirar o excesso de cloro. Quando a solução de cloro ficar muito suja, ou a cada semana, trocar por nova. Este sistema é ótimo para tesouras de poda de aço inox, que se estragam rapidamente no fogo, mas que tem boa resistência ao cloro. Para utilizar o TSP (fosfato trissódico), fazer uma solução saturada (isto é, dissolver o sal de TSP em água destilada até que não consiga dissolver mais nada, restando uma camada de cristais no fundo do vasilhame. Manter sempre saturada). O tratamento da ferramenta é parecido com o utilizado no cloro, devendo permanecer mais tempo (10-15 minutos). Atenção: ambos os produtos, além de serem corrosivos para as ferramentas, também atacam a pele. Utilizar sempre luvas de borracha ao manusear estes produtos. Há quem utilize o álcool para desinfetar ferramentas. Para eliminar fungos e bactérias, pode ser eficaz. Para vírus, é insuficiente. Flambar a ferramenta com álcool, também é ineficaz, pois não se atinge a temperatura necessária. NOVOS RUMOS Há muitos trabalhos de pesquisa em andamento, visando resolver o problema das viroses em plantas em geral, e também nas orquídeas. Houve algum progresso na eliminação de vírus em meristemas, através do tratamento do meristema apical dissecado, com soro específico para CyMV e ORSV, o que pode resultar na produção de mericlones saudáveis a partir de matrizes infectadas. Mas a real solução do problema passa pela criação de plantas imunes a vírus. Esse processo de engenharia genética, que tem atingido resultados surpreendentes em culturas como alfafa e tomate, consiste na introdução, no núcleo da célula vegetal, de determinados genomas virais não-ativos, tais como a "capa" do vírus. Na presença deste genoma, o vírus não consegue se replicar, o que resulta na imunidade da planta hospedeira. Para se fazer o transporte deste genoma, tem-se utilizado uma bactéria causadora de galhas em plantas (Agrobacterium tumefaciens). Usa-se a bactéria para introduzir o genoma viral na forma de plasmídeos (DNA não cromossômico), e depois se aplica bactericida para eliminar a bactéria. Infelizmente o progresso nesse campo, aplicado às orquídeas, tem sido mais lento do que o esperado, devido ao fato da única bactéria possuidora da capacidade de transportar o genoma de resistência (A. tumefaciens) ser específico de dicotiledôneas, não sendo capaz de atuar nas monocotiledôneas, como as orquídeas. Atualmente estuda-se métodos de injeção direta do genoma viral no núcleo das células meristemáticas. Caso haja sucesso nessa empreitada, poderemos ter, num futuro não muito distante, clones transgênicos de orquídeas com resistência a virus, o que abrirá uma nova etapa na história da orquidofilia. Resta esperar e torcer... Compilado e editado por Eng.
Agr. Roland Brooks Cooke |